Quadrinhos Eróticos

Esse ano tem sido muito bom para os fãs dos quadrinhos eróticos. As editoras Pixel e Conrad entraram em um duelo e ambas querem uma fatia desse público, conseguindo impressionar até aqueles que tinham um certo preconceito com títulos de grande qualidade e renome.

O maior dificultador para esse gênero, não só nos quadrinhos, mas também nas outras linguagens artísticas, é o preconceito sofrido. Existe uma linha sutil entre a arte erótica e a sacanagem gratuita, o grande problema desse divisor imaginário é que nos melhores materiais ele não está exatamente no texto e sim na mente do leitor.

Obras de temática erótica sempre existiram em todas as artes, mas em geral eram apreciadas como exemplos de um discurso contra tabus e pudores de uma sociedade conservadora. Este lado transgressor e subversivo da arte é um fator importante, mas fica difícil pensar o erotismo como não apenas uma questão temática, mas também uma forma de expressão, sem cair na pornografia.

Os quadrinhos ajudam a pensar algo nesse sentido, graças uma série de recursos da arte seqüencial que apontam para um outro tipo de leitura das imagens. A diagramação das páginas, a seqüência de imagens escolhidas pelo desenhista, a alternância de foco, a transição quadrinho a quadrinho e o estilo de traço levam a uma leitura diferente da simples apreciação do objeto erótico.

Ao ler uma boa história em quadrinhos, não se está simplesmente olhando a imagem de alguém nu ou uma cena de sexo. O que o leitor vê é um texto elaborado de imagens, instantes e perspectivas diferentes de uma cena de erotismo que provocam uma resposta estética ou um jogo sensorial com o espectador.

Valentina, de Guido Crepax, um dos álbuns lançados recentemente pela Conrad, é um exemplo disso. Nas páginas em que a heroína se divide entre a realidade que seus olhos vêem e sua imaginação, Crepax transita de uma para outra com absoluta fluidez, exatamente como o pensamento da personagem. Nos dois planos os objetos de desejo de Valentina estão presentes, de um lado provocando um devaneio, de outro se realizando, de modo que não são os objeto em si que são o elemento de erotismo, mas esse movimento de passagem entre as realidades dos sentidos e da imaginação.

O que seduz, portanto, não são os atributos físicos do que está sendo mostrado, mas as imagens criadas pelo ponto de vista do leitor, elaboradas com critério pelo autor. Assim, o erotismo se torna a expressão dos sonhos e desejos dos personagens que tomam forma no percurso do olhar do leitor. Sonhos e desejos que abarcam uma série de temas muito maior dentro do erotismo.

Por isso também estes quadrinhos atraem igualmente a atenção de homens e mulheres. É possível falar que há uma empatia deste tipo de leitura com a sensibilidade feminina e seu modo peculiar de lidar com a expressão dos desejos de forma mais lírica. Tanto que em mestres como Crepax e Manara não há o culto ao corpo como há nos quadrinhos de super-heróis, onde se criam figuras irreais, brutas e sem a sensibilidade de uma pele sobre os músculos torneados. As formas admiradas nos quadrinhos eróticos são mais naturais, que sugerem muito mais ao outros sentidos, como o toque e o olfato, do que simplesmente ao olhar superficial sobre os músculos.

As grandes obras que buscaram traçar o caminho do amadurecimento dos quadrinhos usando o erotismo como expressão não o fizeram para vetar o acesso aos álbuns a menores de idade. Eles exploraram um terreno da imaginação que possibilitou um grande enriquecimento das temáticas e das formas de expressão da arte seqüencial. O universo dos quadrinhos se tornou mais sedutor depois que estes autores mostraram como o desejo aflora da imaginação para o mundo real.

(Nossos agradecimentos a Lia M. Penteado que colaborou com sua visão femina para esse texto)

 

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