PERSONAGENS

 

Druuna: Vagina Dentata, Armada com Metralhadoras*

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O espaguete serviu para designar faroestes paupérrimos produzidos na Itália. Nos quadrinhos eróticos, porém, a massa em tiras trazida do Oriente por Marco Polo serviu de alimento para Druuna, uma moça de libido desenfreada criada pelo veneziano Paolo Eleuteri Serpieri.

Serpieri nasceu na terra em que a Renascença atingiu seu esplendor de cores, mas mudou-se para Roma em 1944, onde estudou. O criador se envolveu com faroestes espaguete, contando sagas de heróis pra lá de facínoras como o Genocida, quer dizer, General Custer (1). Foi então que, nos anos 80, o artista anunciou aos amigos: criaria um personagem que o faria rico. E foi assim que, em dezembro de 1985, surgiu Druuna, uma garota generosamente macarrônica e minimamente vestida, que tenta sobreviver em um mundo de ficção científica entre cientistas loucos tarados, monstros lascivos, lésbicas calientes e soldados... bem, você já deve ter ouvido falar de como são os soldados.

Druuna é um desses quadrinhos que se folheia com uma mão só - se você gosta de garotas e já teve um exemplar em mãos entre quatro paredes, sabe do que estou falando. Mas há algo de peculiar na moça: quem tira uma lasquinha da heroína, seja bacana ou bandidão, morre logo depois do coito. É como se Druuna fosse, sem explicação alguma, amaldiçoada. Ou uma viúva negra de uma série de homicídios culposos.

Não tem como não evocar o mito da vagina dentata. Explica-se: arquetipicamente, as vaginas são bocas. Uma vez que bocas têm dentes, vaginas também teriam dentes. Só a homarada que não vê. Mas, lá no fundo, no inconsciente, cada cara é capaz de imaginar. Introduzir o pênis num buraco escuro, portanto, carrega toda aquela carga sígnica de poder do falo etc e tal. Mas só em um primeiro plano. O macho arrombador teme que por trás do hímen se escondam dentes tão afiados, numerosos e perigosos quanto os de uma piranha. Homens que gostam da coisa acreditam que vale a pena arriscar, e isso até reforça a macheza do indivíduo.

(Por isso que o anedotário é recorrente na idéia de que, por via das dúvidas, é melhor não arriscar com qualquer tribufu. Nunca se sabe quando é que se vai virar um Farinelli tardio.)

Druuna tem todos os atributos para que o intercurso derradeiro valha a pena. Em uma terra desolada, pós-apocalíptica, habitada por monstros, mutantes, aberrações e mendigos, ela é o que é, tem as curvas que tem, faz sexo com grande desenvoltura, beija na boca, manobra de p... e b...(2) e não exige camisinha. Num ambiente de ficção científica e aventura, Druuna não salva mundos. Também não procria. Portanto, não chega nem mesmo a ser uma mulher plena. Sua existência é a exaltação ao sexo pelo prazer – contrastando com seu entorno, incapaz de deleitar alguém. Druuna não é nada além da concretização, ainda que ficcional, de um velho dito masculino: "Depois que eu comer essa daí, posso morrer".

Notas pertinentes:

* Este artigo teve uma primeira versão publicada no extinto site Fraude.org, editado por Bruno Galera, dentro de uma série que analisou personagens de uma forma mais aberta e irresponsável, a partir de fluxos de consciência. Esses textos estão sendo republicados no Pop Balões juntamente com ensaios inéditos que seguem o mesmo modelo.

1. Por sinal, essa é uma característica do western: há uma certa lentidão em se rever conceitos. O faroeste dos quadrinhos geralmente é uma terra idílica em que índios e caubóis são amigos. Há exceções, claro, como Ken Parker. Mas ainda são exceções.

2. Referência ao nada clássico longa-metragem Manobras de P... e B..., espécie de versão pornô do seriado mexicano Chaves.


Corra atrás

Druuna foi editado no Brasil pela Heavy Metal em quatro álbuns especiais e em um pôster caça-níqueis. Algumas histórias saíram isoladamente em edições esparsas de Heavy Metal Brasil. Cate nos sebos.

Edições estrangeiras podem ser adquiridas na sua livraria virtual preferida.

O site oficial é www.druuna.net.

 


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