A Morte e a Bússola

A importância dos contos policiais despertou também o interesse de autores mais “acadêmicos”, voltados à pesquisa e à experimentação da narrativa no século passado. Estes autores refletiram e brincaram com todas as ferramentas deste gênero e jogaram com o imaginário dos leitores que buscavam sempre um herói infalível nas suas investigações.

No conto “A morte e a bússola”, publicado em seu livro Ficções, Jorge Luis Borges ironizou os contos policiais para apontar como às vezes a casualidade é mais forte que a causalidade. Nesta situação, o detetive racionalista e que busca o padrão sempre por trás dos acontecimentos se vê perdido num labirinto invisível.

Acompanhamos todo o percurso meticuloso de Erik Lönnrot para desvendar uma série de assassinatos envolvendo uma série de pistas deixadas nos locais dos crimes além de outras levantadas por ele mesmo. Para Lönnrot não basta desvendar o crime, há de lutar contra o mistério que o envolve. Aqueles que não conseguem enxergar o mistério, não são verdadeiros detetives, como os policiais ordinários que convivem com ele.

O conhecimento do detetive se compõe de uma série de erudições que poderiam figurar em qualquer almanaque barato, mas que para ele tem um valor inquestionável. Eis aí uma crítica elegante àqueles que retiram boa parte de sua “inteligência” desse tipo de leitura.

Se fosse apenas o personagem do detetive Erik Lönnrot que fosse enganado neste texto, talvez o gênero policial saísse ridicularizado no final. Mas sempre devemos esperar mais do que isso de Borges. Sua escrita cheia de referências envolve o leitor no mesmo labirinto em que está o pobre detetive. Quem procura a lógica nos fatos e não vê as armações do bandido Red Scharlach pode terminar tão frustrado quanto Lönnrot.

O cruel Scharlch se dispõe a criar uma ilusão com pistas plantadas e símbolos místicos em torno de seus crimes apenas para chamar a atenção do detetive e executar uma vingança. Lönnrot passa o tempo todo pensando em acontecimentos e pistas simétricas, quando tudo ao seu redor aponta para o contrário, um universo de assimetria onde impera a casualidade. Nisso, o detetive perde o foco do real motivo por trás do crime e se deixa pegar. Pior, ele era o próprio alvo do criminoso.

Para a inevitável segunda leitura, cabe verificar as contradições na caracterização de Lönnrot. A incoerência de um investigador racional que se envolve com o azar dos jogos e da aventura até lembra os heróis hollywoodianos. O interessante nesse tipo de leitura é enxergar a crítica inteligente e bem construída ao gênero policial. O escritor parte dos clichês do gênero, mostrando uma nova aplicação para eles ao mesmo tempo que os ironiza. Também vale dizer que se você está com uma coletânea de contos do autor nas mãos não pare somente nesse conto pois descobrirá em sua obra uma leitura riquíssima e muito interessante.

 

(Esse texto é parte integrante da nossa série A Revolução Pop Escolar: Propostas para uma Nova Biblioteca)

 

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