O Longo dia das Bruxas

Prosseguindo nossa série sobre boas histórias policiais, tínhamos obrigação de falar de uma HQ. Como nesse gênero o personagem de destaque quase sempre é o detetive, nada mais justo do que falar sobre o maior detetive do mundo, o Batman. Aparentemente, escolher uma história policial sobre o personagem deveria ser fácil, contudo, muitos autores deixam um pouco de lado essa característica do personagem e optam por trabalhar seu lado bicho-papão, estrategista e até chegam a fazer histórias onde ele não passa de um brutamontes com acessórios. Pode-se atribuir um pouco de culpa nesse aspecto a Frank Miller. Sua obra máxima, O Cavaleiro das Trevas, estabeleceu um padrão de qualidade para o homem morcego e não é uma história detetivesca.

Nessa busca por uma história que representasse esse lado investigativo do herói, escolhemos O Longo Dia das Bruxas, de Jeff Loeb e Tim Sale. Certamente existem outras histórias clássicas até melhores que essa, contudo, esse título é relativamente fácil de ser encontrado, define bem o universo de Gotham City e é uma leitura excelente.

Como toda história policial precisa de um criminoso, nesta temos um assassino em série à solta em Gotham. O interessante desse tipo de criminoso é que o detetive sabe que ele vai atacar de novo. No caso do Feriado, Batman sabe inclusive quando o vilão vai atacar novamente e tem que correr contra o tempo para descobrir quem é o criminoso e prendê-lo.

A história se estende por mais de um ano, ficando cada vez mais perturbadora tanto para os personagens quando para o leitor. As pistas só vão aumentando, as teorias vão sendo eliminadas uma a uma e, mesmo assim, o verdadeiro criminoso não fica tão evidente como deveria. Boa parte da galeria de vilões de Gotham dá as caras na história. Muitos são suspeitos, mas a cada aparição vê-se que não são os verdadeiros culpados.

A estrutura narrativa de Loeb é algo muito interessante. Ele usa elementos básicos na narrativa policial, das histórias de suspense e uma técnica que se assemelha com aquelas bonecas russas. Esse enfeite tradicional é aquele que você vai abrindo a boneca e sempre encontrando outra igual e menor dentro. Algo semelhante acontece na história. Ela começa com vários suspeitos e várias possíveis teorias sobre os crimes. A cada edição aparecem novas pistas que parecem que vão resolver o caso, contudo, o máximo que elas fazem é eliminar um suspeito, derrubar uma teoria e mostrar um novo mistério.

Para tentar resolver essa situação que só se complica, o comissário Gordon, o promotor Harvey Dent e Batman juntam forças. Contudo, no decorrer da história, o grupo tem uma séria baixa. O mafioso Sal Maroni joga ácido na cara de Harvey durante um julgamento, deformando seu rosto e deixando-o louco. O personagem retornará mais no final da série, transformado no vilão Duas Caras.

Outro personagem recorrente é o criminoso Julian Day, preso no Arkham e anteriormente conhecido como o assassino em série Calendário, famoso por cometer crimes em datas comemorativas. Esse personagem faz um papel semelhante ao de Hannibal Lecter no filme Silêncio dos Inocentes. Ele é usado como consultor por Batman e Gordon para tentar entender a mente do criminoso Feriado.

Como não poderia faltar, existe um romance na história. Batman e Mulher-Gato ficam na sua tradicional dança, tanto com as fantasias quanto nas suas identidades civis. A Selina transita pela história tentando entender uma suposta ligação dela com a família Falcone, história aliás que irá se desemrolar em Vitória Sombria e só fechará em Mulher-Gato Cidade Eterna.

Já virou marca registrada da parceria entre Jeph Loeb e Tim Sale inserir sua história em meio a acontecimentos já vistos na cronologia oficial, com cenas que se repetem a partir de um novo ângulo, mostrando um acontecimento paralelo. Em O Longo Dia das Bruxas, vemos uma série de personagens que são brevemente mencionados no Ano Um de Frank Miller e parecem criações de Loeb.

Usando os personagens mafiosos do Ano Um, Loeb faz uma história do Batman sem nenhum vilão fantasiado em primeiro plano e assim tentou mostrar o quanto Gotham é assustadora, porque os piores loucos são aqueles que têm uma aparência normal. E deles Gotham está cheia. Nas palavras de Alberto Falcone, quando é levado ao Asilo Arkham como o assassino Feriado, “Gotham agora pertence aos loucos e eu sou um deles”.

Os desenhos de Sale são ideais para uma cidade de loucos, pois você pode ver nos seus personagens como ele consegue representar artisticamente as caracteríisticas pscicologicas deles. Além de criar uma atmosfera realmente densa, onde o suspense toma a forma de muita neblina e fumaça e a expressão dos personagens revela o clima tenso que tomou a cidade durante todo aquele tempo. Essa atmosfera que lembra os filmes noir se reforça com os fluxos de pensamentos de personagens e a repetição da frase "Eu acredito em..." por vários personagens diferentes.

Dando essa nova dimensão a esses coadjuvantes do crime de Gotham, esta série enriqueceu muito o passado do Homem Morcego, dando um valor muito maior a momentos como o acidente que desfigurou Harvey Dent e o transformou no Duas-Caras, que antes só foram vistos em flashbacks. Tanto que esse canto do universo do herói foi retomado na seqüência Vitória Sombria, pelos mesmos autores.

O interesse por esse passado cheio de novas nuances fica ainda mais forte com o final não menos misterioso da trama, que deixa muitas pontas soltas, sem representar uma frustração do leitor.

Se não se tratasse de uma realidade que sabemos que tem uma continuidade nos quadrinhos do Morcego, estas pontas soltas seriam perdidas para sempre. Loeb soube exatamente o que mostrar para criar uma nova série de elementos para o herói, inclusive sobre histórias escritas anteriormente.

O apelo destas perguntas sem respostas é tanto, que muito já foi dito a respeito dos outros suspeitos e a existência de mais de um assassino. A revista Wizard dos EUA escreveu uma matéria com sua própria versão para os “fatos” – com o fingimento que lhe é peculiar. Um outro site, mantido por um fã, apresenta três hipótese diferentes de solução do caso. Quem quiser pode conferir em http://www.vacuumboy9.com/tlh/index.html (em inglês).

Essas teorias ficaram ainda mais polêmicas quando Loeb disse em uma entrevista que não revelaria o segredo da série, mas que tudo está presente na revista. Assim, ele faz seu papel de bom escritor em manter vivo o mistério e o interesse constante de novos leitores.

 

(Esse texto é parte integrante da nossa série A Revolução Pop Escolar: Propostas para uma Nova Biblioteca)

 

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